(um conto)
– Ela não pode saber do que aconteceu.
– Se souber será ruim para nós dois – disse Ana, arrumando o
cabelo.
– Do jeito que você fala, não parece que será mesmo.
– Ei, você acha que vou contar pra Kátia?
– Não. É que eu estou com um pressentimento meio estranho,
sei lá.
– É o preço da traição…
– Não me venha com essa. Você é tão culpada quanto eu.
– Sei, sei. Pega minha bolsa lá na sala, por favor?
Enquanto Luis se dirigia para a sala, Ana olhou-se no
espelho e sorriu: “tão culpada quanto você, Luis, que piada!”
– Disse alguma coisa?
– Não. Nada.
– A bolsa está aqui.
– Obrigada, você é um anjo.
– Espero continuar sendo quando ela chegar.
– Não esquenta. Tudo vai correr bem. Tô indo. Até mais.
– Você não está nem aí mesmo, não é?
– Você que pensa…
Assim que Ana deixou o apartamento, Luis arrumou o quarto e
a sala. Acendeu um cigarro e afastou uma gota de suor da testa: “se
arrependimento matasse…”, pensou, olhando pela janela a rua, escura e vazia.
Não saberia como disfarçar de Kátia. Do jeito que ela era, desconfiaria logo.
Diria que o ar estava diferente. “Quem esteve aqui?”, perguntaria. Ele suaria
frio e mudaria de assunto: “como estava na casa da sua tia? Muito sol?” Só que
era inverno. “Muito frio? Choveu? Por que não ficou por lá e esqueceu que eu
existia? Eu te traí, não entende? Agora você tem um par de chifres que eu e tua
amiga colocamos. Ficou ótimo, combina com teu penteado.” De que adiantava ser
cínico se, na hora em que ela descobrisse, ele baixaria a cabeça, como um
garotinho? Quem ela culparia? Com todo aquele orgulho, daria de ombros e diria:
“Vocês formam um casal perfeito. Mandarei flores no casamento.” Mas o que ele
podia fazer? Foi tudo tão rápido. Lá estava ele no bar, tomando uma cerveja,
quando Ana entrou e o avistou. Aproximou-se: “posso me sentar?” “Claro, à
vontade.” “Chateado?” “Não. Apenas sozinho.” “Ah, mas isso a gente resolve…” Ele
não aguentava mais de solidão, de tédio. Precisava se animar. Precisava de
alguém. Não hesitou em ir para a cama com aquela mulher porque não sentia mais
atração ou paixão por Kátia. Seu relacionamento tinha virado rotina. Era sempre
igual, nenhuma surpresa. Foi quando surgiu um telefonema da tia dela: “Kátia,
por que você não vem passar uns tempos aqui comigo? Sinto saudades…” A “sobrinha
devotada” não deixou por menos. Fez as malas (para duas semanas) e falou:
“Luis, vou passar um tempo na casa da tia Célia. Vai ser bom eu ficar fora.
Assim, quem sabe, as coisas não melhorem por aqui?” De olho no jogo de futebol,
ele concordou e desejou boa viagem. Tudo errado. Agora percebe que devia ter
dito que não ia ser bom droga nenhuma. Que, quando ela voltasse, o sofá, a TV,
o fogão, a geladeira, seriam disputados, porque seria o fim de tudo.
Absolutamente tudo.
Por quê? Por que essa tia foi ligar? Será que não sabe que,
sozinho, um homem é capaz de tudo só para não continuar sozinho? Ao apagar o
cigarro, Luis pensou: “A chama de uma relação que se apaga”. E então imaginou
Kátia conversando com a tia, a qual perguntaria se eles ainda estavam morando
juntos. Receberia resposta afirmativa e se empolgaria, dizendo que era meio
“perigoso” deixa-lo lá, sozinho. “Porque você sabe, querida. Homem é tudo igual
Sempre atrás de um rabo de saia…” Kátia daria uma risadinha: “o Luis seria
incapaz.” E foi imaginando isso que ele deu um soco na parede: “Maldita! Olha
aqui, Kátia, eu fui capaz! Quem manda deixar nossa relação cair na monotonia?
Agora estou eu aqui, te esperando só para ver tua cara ao saber que estou
confuso e arrependido de ter “sido igual aos outros”. Arrependido de ter
permitido que essa Ana me seduzisse. De ter deixado você viajar sem nem me
despedir direito. Arrependido de não ter sabido te amar e agora não saber te
trair. Arrependido também de ter fumado meu último cigarro!” Com lágrimas nos
olhos, ele olha para o relógio: duas da manhã. Ela tinha tido que chegaria de
madrugada, pois tinha menos trânsito na estrada. Era só esperar. Depois de
alguns minutos de silêncio, ele ouve um barulho de chaves vindo do lado de
fora. “É ela!” Enxuga o rosto com a camiseta, vai até a porta. Abre e dá de
cara com Kátia. Abraçam-se. Ela entra, olha ao redor e pergunta: “Quem esteve
aqui?”
FIM
Eliana Leite
(janeiro, 1993)
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